segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Morre aos 85 anos o artista plástico recifense Gilvan Samico

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Artista estava internado no Hospital Português, onde faleceu nesta segunda
Foto: Heudes Régis/JC Imagem

Do NE10
O artista plástico pernambucano Gilvan Samico faleceu aos 85 anos, na manhã desta segunda-feira (25), no Hospital Português, no Recife, onde estava internado há algumas semanas, para tratar um câncer na bexiga. O velório será realizado no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, no Grande Recife, a partir das 15h. A cremação está marcada para as 21h.
Autodidata, Gilvan José de Meira Lins Samico era pintor e desenhista, sendo conhecido, principalmente, por suas detalhadas xilogravuras inspiradas na cultura popular do nordeste brasileiro.
http://www2.uol.com.br/JC/_ne10/foto/AB-samico1_470.jpg
Fotos: Arquivo JC Imagem
Após fundar o Ateliê Coletivo da Sociedade, idealizado por Abelardo da Hora, e estudar xilogravura com Lívio Abramo, na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Samico passou dois anos na Europa. Em 1965, fixa residência em Olinda.
http://www2.uol.com.br/JC/_ne10/foto/AB-samico470.jpg
No início da década de 1970, o artista passa a integrar o Movimento Armorial, a convite de Ariano Suassuna. A produção dele foi destinada, em particular, pela recuperação do romanceiro popular e pela literatura de cordel, mas segue independente como mestre da xilogravura.
http://www2.uol.com.br/JC/_ne10/foto/IV-samico470.jpg
Com pouco uso de cores e texturas, o trabalho de Samico é povoado por personagens bíblicos, lendas e animais fantásticos. Samico tem obras no MoMA, em Nova Iorque, e participou duas vezes da Bienal de Veneza, sendo premiado em uma delas.
Por ocasião dos 80 anos do artista, a repórter do Jornal do Commercio, Olívia Mindêlo, entrevistou Samico, que não quis festa para comemorar o aniversário, preferindo ficar recluso em Olinda. Leia:
JC – Por que o senhor está fugindo da comemoração dos 80 anos?

GILVAN SAMICO – Não me chame de senhor! Ninguém aqui em casa me chama assim, nem meus filhos, nem minha mulher, nem meus netos. Eu sou muito jovem (risos). Olha, a esse negócio de aniversário nunca dei valor. Não dou importância nenhuma. Amanhã mesmo (quarta-feira passada) vou-me embora pra Pasárgada, que lá sou amigo do rei... Não é assim que dizem? Vou me esconder, não sei quem inventou essa história de 80 anos... Para mim, é a mesma coisa fazer 70 ou 80.

JC – Mas também incomodaram você nos seus 70 anos?

SAMICO – Não. Inventaram essa coisa de 80 anos, que tem que fazer homenagem. Nunca fiz uma festa de aniversário. Éramos uma família de seis irmãos, e não tenho a mínima lembrança de ter comemorado aniversário. Não é brincadeira, nem charme. Não gosto desse chamego. Não sei falar sério sobre nada, nem sobre a minha vida, nem sobre o meu trabalho.

JC – Só através da gravura, não é?

SAMICO – Aí eu tento, não sei se dá para notar que houve uma tentativa...

JC – Mas esse negócio de dar entrevista e sair de casa não é com você?

SAMICO – Não mesmo, gosto de conversar besteira, somente.

JC – E como convenceram você a fazer em 2004 aquela grande exposição na Pinacoteca de São Paulo, para onde você foi?

SAMICO – Aí é outra coisa. Foi quase uma surpresa para mim. É a coisa do trabalho. Eu tenho é dificuldade de falar sobre o meu trabalho. Mas aí as pessoas me convidam e eu ainda tento apelar, pra que isso, coisa e tal...

JC – E sua conta bancária na Suíça aumentou muito depois da exposição individual na Pinacoteca?

SAMICO – Menina, você num sabe que meu telefone é grampeado, não (risos)? Tenho conta nenhuma no exterior, não!

JC – Mas as vendas dos quadros não aumentaram?

SAMICO – É, aumentaram. Há tempos que não se comprava nada meu em São Paulo, mas na exposição três ou quatro pessoas compraram.

JC – O Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam) comprou quantas obras suas?

SAMICO – Acho que quase cem, coisa assim... Mas o museu já havia recebido doações de alguém que tinha me comprado alguma gravura e depois achou por bem doar. Acho importante o museu ter os trabalhos, para que as pessoas possam ver, porque nem sempre podem ir à casa do artista. Mas eu sou contra o artista fazer doação. O artista têm é que vender as suas obras.

JC – Você vende suas obras na sua casa?

SAMICO
 – Muito não, de vez em quando aparece alguém.

JC – Um ano é o tempo que você leva hoje para fazer uma gravura, idade não é tão importante... Então, qual o sentido do tempo para você?

SAMICO – Tempo é um pouco abstração... Eu sou um sujeito muito lento. Para mim, tempo parece que não existe, mas existe. E eu agora estou sentindo essa ação do tempo.

JC – Mas você é bem ativo para idade.

SAMICO – Não sei, teria que me comparar com os outros.

JC – Mas e sua mulher?

SAMICO – Ela tem 78 anos. É, ela é bem ativa, trabalha muito, muito. Eu trabalho também, mas sou muito devagar. Meu negócio é não ter data para acabar... Este ano mesmo, depois de muito tempo, fiz duas gravuras já. Tenho uma coisa com os estudos, teve gravura (A caça) que fiz 40 estudos até terminar. Minha mulher me deu um livro de conversas entre Picasso e Matisse. Picasso era uma das únicas pessoas para quem Matisse abria a porta de sua casa. Ele não se dava o direito de parar de trabalhar. Eu largo o trabalho para fazer qualquer besteira.

JC – Que tipo de besteira?

SAMICO – Quando não estou trabalhando, estou comendo ou dormindo. Vez por outra eu leio, mas não tenho hábito. Matisse, mesmo, estou lendo devagar. Aqui em casa, no quintal, eu também tenho uma oficina, onde eu faço umas coisas em madeira. Antes de ser gravador, sou artesão e marceneiro. Alguns móveis da minha casa foram feitos por mim.

JC – Mas, então, também é trabalho...

SAMICO – Considero, mas não é de artista, com letra maiúscula, aquele peso, eu vou improvisando. Para mim, o que é importante é que um bom trabalho feito por um marceneiro é tão bom quanto uma gravura.

JC – Com quem aprendeu a mexer com a madeira?

SAMICO – Fui de uma época em que famílias com menos posse como a minha não tinham como comprar brinquedos para os filhos. Eram vindos de fora e caros... Então, eu fazia, brincando, meus próprios brinquedos e já fazia de madeira.

JC – Por isso a xilogravura foi uma escolha natural?

SAMICO – Nunca entendi por que faço xilogravura. Na verdade, a coisa começou no Atelier Coletivo (de Abelardo da Hora, na década de 50). Estávamos fazendo um álbum de gravuras, então eu fiz uma. Fizemos numa placa de gesso, mas eu não gostei do resultado. Aí comecei a trabalhar em casa na madeira. Por acaso me deram um prêmio num salão da época e a coisa foi tomando corpo...

JC – Dizem que você é o maior xilogravador do Brasil.

SAMICO – Quem diz? Eu não acredito, se dizem muitas coisas nesse mundo de crítica de arte. Umas coisas que são, e outras que não são. Às vezes, o elogio é até gratuito, porque tem que ser... Mas não sou eu que tenho que dizer nada, são as pessoas credenciadas.

JC – Então não há vaidade nenhuma?

SAMICO – Não sei, no fundo eu talvez seja até mais vaidoso que muito artista por aí. Mas é que, se eu digo isso, parece falsa modéstia de eu estar achando ruim essa história de 80 anos. Não é o caso, eu não gosto de comemoração. Devia até estar curtindo, mas não estou.

JC – A serpente está sempre presente em seus quadros. Se fosse um animal, seria uma serpente?

SAMICO – Não tenho vontade de ser animal, ser bicho homem já é uma coisa atrapalhada, mas até que ser serpente é uma boa pedida. Não é que nunca tinha pensado nisso?


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