quinta-feira, 7 de julho de 2011

A POLÊMICA SOBRE O CANGAÇO EM PAULO AFONSO - Por Aristóteles Lima

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Em Paulo Afonso um grupo de intelectuais tem defendido a identificação de nossa cidade com a cultura do cangaço. João de Souza Lima, Antônio Galdino, Edson Barreto, Luis Rubem e Rubinho Lima são os nomes mais proeminentes dessa linha de pensamento. Livros e seminários anuais já foram produzidos e tudo indica que mais contribuições virão. As motivações para essa identificação são várias para esse grupo, pois Lampião realmente andou por estas plagas diversas vezes e várias lendas citam a furna do morcego como um possível esconderijo dele. A argumentação maior vem, no entanto, da história da Maria Bonita. Ela nasceu na Malhada da caiçara, hoje município de Paulo Afonso. Seria, para esse grupo, a pauloafonsina mais ilustre.

Recentemente um jovem estudante de direito da FASETE provocou o grupo com dois artigos publicados no site de Ozildo Alves. Os artigos atacam o que ele chama de “indústria do cangaço” e acusa o derrame de dinheiro público (da prefeitura e da CHESF) para promover “bandidos e assassinos”. Chega a afirmar que o dinheiro gasto nos eventos sobre o cangaço poderia ser usado para melhorar os hospitais públicos. Nessa questão ele demonstra conhecer pouco sobre orçamento público, pois se a verba destinada a promover eventos culturais não for usada para aquilo a que se destina, também não poderá ser desviada para outras funções. Seu argumento maior é a identificação de Lampião como um bandido assassino e que é um disparate elogiá-lo em eventos públicos. Afirma que outras personalidades como Apolônio Sales, Dom Mário Zaneta e o tenente João Bezerra é que mereciam homenagens públicas. O tenente João Bezerra foi o homem que matou Lampião. Existem acusações de que alguns dias antes ele vendeu armas ao famoso cangaceiro. O jovem estudante não sabe disso, é típico de quem só leu um livro sobre assunto tão vasto como o cangaço (em ambos os textos que publicou ele cita como fonte de pesquisa apenas um livro: “Lampião na Bahia”, de Oleone Coelho Fontes). Lampião se beneficiou de traficantes de armas oriundos das polícias estaduais do nordeste. O tenente João Bezerra provavelmente era um deles. Aliás, de quem vocês acham que os traficantes do Rio e de São Paulo compram armas? Os cangaceiros praticavam estupros? As volantes policiais também. De onde vocês acham que vinha o apoio de uma parte da população sertaneja aos cangaceiros? Defender os “mocinhos” da história é bom, o problema é identificar quem são eles.


Independente do julgamento moral que se faça sobre os cangaceiros não há dúvidas de que o cangaço foi um fenômeno importante da história do nordeste. Nada há que se contestar em quem se dedica ao estudo sobre esse fenômeno. Em Paulo Afonso a influência do cangaço é anterior à emergência deste grupo atual. Desde os anos 50 do século passado um grupo carnavalesco chamado “Os cangaceiros” celebra os combates de Lampião em uma apresentação teatral em época de carnaval. Em várias cidades do sertão o cangaço é reinvidicado como fenômeno cultural típico e não como apologia da criminalidade. Para melhor conhecimento sobre o assunto indico a leitura do livro “Lampiões acesos: o cangaço na memória coletiva”, do professor pauloafonsino Marcos Edilson de Araújo Clemente. Ler mais sobre um assunto tão vasto e complexo ajuda a clarear as idéias.

Há, no entanto, dois paradoxos na identificação de Paulo Afonso com o fenômeno do cangaço. O primeiro é de ordem temporal: o povoamento que deu origem à nossa cidade começou com as obras da CHESF em meados dos anos 40. Lampião morreu em 1938 e o fim definitivo do cangaço se dá em 1940 com a morte de Corisco. Se em 1930 alguém dissesse a Lampião que estava indo a Paulo Afonso, ele se lembraria de imediato da famosa cachoeira e nunca desta cidade. Afirmar que Maria Bonita nasceu em Paulo Afonso é o mesmo que afirmar que ela nasceu em uma cidade que não existia em sua época.

Outra questão é que não só Paulo Afonso é uma cidade que surgiu após o fim do cangaço, mas ela é a negação de tudo o que aquele fenômeno significou. O cangaço é produto das contradições do campo, principalmente da concentração de terras, do poder dos coronéis, dos conflitos entre famílias e da miséria do povo sertanejo. A cidade de Paulo Afonso é fruto de um projeto de desenvolvimento industrial e tecnológico. É filha da modernização e, sendo assim, negação completa do tradicionalismo rural. A construção das usinas da CHESF foi um empreendimento fundamental para a industrialização do nordeste. Enquanto o cangaço é representação do arcaísmo rural, Paulo Afonso é representação do progresso urbano. Procura-se em um fenômeno tipicamente rural o símbolo para um ambiente tipicamente urbano.

O que explica a procura pela simbologia do cangaço em nossa cidade é a origem camponesa dos pioneiros trabalhadores. Existe nessa população o que podemos chamar de saudade do mundo rural. É esse saudosismo que explica a origem tanto do bloco “Os cangaceiros” como do recente movimento dos historiadores locais do cangaço. A opção pelo cangaço sempre vem acompanhada de muita polêmica. A provocação que o estudante da FASETE fez é uma repetição do que acontece em outras localidades onde o cangaço também é cultuado. É bom lembrar que os cangaceiros realmente praticaram crimes. Ninguém até agora procurou a verdadeira identidade cultural de Paulo Afonso nas lutas urbanas de trabalhadores e estudantes. É uma opção, mas envolve um debate mais crítico e politizado. Nossos intelectuais preferem, por ora, dirigir-se ao campo.

Aristóteles Lima Santana, 29/05/2011

Fonte: Alma Rubra
Obs:Texto publicado também no editorial do jornal impresso " A voz dos municípios", Edição 339

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